quarta-feira, agosto 31, 2011

Camila

O corpo vai acordando aos poucos, vou sentindo cada parte retomando consciência, consigo captar os sons no quarto, o alarme do celular, muito irritante por sinal, está tocando fazem alguns minutos, nem ligo, o dia está começando. Abro os olhos cheia de preguiça e me estico na cama retesando os músculos todos, são 9 horas da manhã.

Pé ante pé faço meu caminho até o banheiro, água fria na cara pra acordar melhor, me olho no espelho, os cabelos desarrumados, a cara inchada do sono revigorante, tento um sorriso meia boca que logo é desfeito, ainda é cedo para simpatias. Uma boa xícara de café, duas torradas e uma maçã, nada mais que isso pro dia começar controladamente light, estou na minha na segunda dieta do mês, sempre acabo saindo esporadicamente da cartilha de calorias e guloseimas que se deve evitar, mas acabo voltando ao tal regime, ninguém manda minha mãe cozinhar tão bem e o restaurante chinês ser tão perto de casa. Mês passado foi a dos pontos, depois veio a da Lua, do arroz, do leite... agora eu tento simplesmente ser saudável, até me inscrevi na academia: pilates, musculação e ginástica. Vamos ver se consigo manter o ritmo por mais de duas semanas.

Jeans, o bom e velho all star branco já gasto, a camiseta branca que eu adoro e o sobretudo, boto tudo em cima da cama e corro pro banho. A água quente vai lavando tudo, toda a extensão do que chamamos corpo humano, e eu fico viajando com os meus milhares de pensamentos desconexos e vontades secretas, mas que eu não irei revelar aqui, afinal toda garota precisa de um pouco de privacidade não é mesmo? Corpo seco, roupa vestida, cabelo arrumado, um toque de maquiagem nos olhos e um perfume no pescoço, agora sim o sorriso refletido no espelho demonstra uma certa vivacidade.

No caminho para a faculdade acabo encontrando uns amigos no ônibus, todo mundo anda votando naquela lei que vai ser aprovada semana que vem sabe? A Jé anda preocupada com uns primos no Rio de Janeiro, as chuvas torrenciais andam tornando a cidade toda um caos, mas eles vão ficar bem, ela sabe disso. O Marcus está morrendo de amores pelo novo filme do Almodóvar, eu defendo Tarantinoaté a morte, são os melhores filmes que já vi. A Ana comenta sobre o lançamento da nova coletânea de contos do Caio F., acho fantástico, mas ultimamente ando me perdendo nas obras do Bukowsky. É, safadeza é levemente interessante, vai dizer? Chegamos, faço meu caminho habitual até a cafeteria. Cada um segue seu rumo.

- Dois cafés por favor. Sem açúcar.

Sempre me sento nas mesas do lado de fora, perto das árvores, obras e pessoas do campus. O que? Ta se perguntando o porque dos dois cafés? Hábito, fora que economizo tempo em não ter que levantar duas vezes pra isso, sim preguiça reina em mim às vezes. Confesso. Outro hábito é carregar o laptop para todos os cantos, abro e começo a escrever, mantenho um blog só pro meu contentamento, alguns amigos comentam vez ou outra, é um modo que eu tenho de expôr coisas que guardo aqui dentro, pensamentos, vontades, opiniões... gosto de abrir o meu livro da vida aos poucos, acho o mistério extremamente necessário nas relações humanas, ao menos um pouco dele. Você não?

Os dedos já conhecem o caminho de cada tecla, digito rapidamente sem pensar duas vezes. Saboreio o meu café em intervalos regulares e releio o que acabo de escrever:
"Sempre gostei mais de estar com alguém, me sinto mais completa. Mas agora provando dessa não-dependência que tenho, essa auto suficiência, acabo medindo o que me proporcionaria mais felicidade. E com certeza não é estar sozinha."
Eu estou saturada dessa solidão auto-suficiente que me deixa num ninho seguro e distante dos outros sabe como? Juro pra você que eu adoraria ter alguém comigo, tendo todos aqueles momentos clichês, andando no parque no fim da tarde, vendo filme em pleno inverno debaixo das cobertas, contar segredos, fazer amor, ficar rindo feito bobo quando o outro faz algo bonitinho, trocar presentes e surpresas... eu quero isso mesmo. Mas cadê a pessoa certa? Todo mundo anda afim de curtição, de "one night only", uma boa trepada aqui e outra ali, sem saber nada sobre o outro, sem ter o mínimo de interesse pela pessoa que ta ali do lado. Isso eu não quero não, nem faço questão. Já me machuquei demais com pessoas assim, com amores passados, eu já vivi muito em matéria de sentimentos, em matéria de amor. Como diz a Tati Bernardi: "Se as relações são feitas também de tanta maldade, por quê? Se arranhamos e beliscamos tanto só pra tocar alguém." Porque as pessoas complicam tanto essa área de envolvimento? 

Estou naquele momento que, por mais que eu queira mesmo esse alguém incrível que nunca aparece, eu me sinto bem sozinha. Percebo diariamente que não preciso de mais ninguém além de mim pra ser feliz, que a minha vida, minhas decisões, meus dilemas e planos dependem apenas de mim, da minha dedicação e interesse. Eu não preciso me botar em segundo lugar pra ver alguém desfilar no meu tapete vermelho, eu sou a estrela do meu show. Eu gosto do meu café amargo sem ter ninguém pra adoçar, dos meus textos sem ter quem os leia, do meu cabelo despenteado todas as manhãs sem ter quem tire sarro, mas admito que isso tudo faz falta. Não, eu não acredito que o príncipe encantado vá aparecer na minha vida, me pegar no colo e fazer com que todo o meu mundo vire uma animação da Disney, mantenho meus pés no chão, sou super realista, é como diz aquela música do Paramore "keep your feet in the ground when your head's in the clouds" sabe? Eu quero me entregar, me jogar num bungee jump de sentimentalismo, só fico esperando alguém realmente interessante me convidar pra isso. 

Meu Deus, uma hora da tarde, agora é ir correndo pra aula de Marketing. Essa droga de elevador sempre demora, incrível. Oi? Ah, eu faço Publicidade, sempre tive interesse. Não, nunca pensei em usar esse tipo de conhecimento pra vender e expôr meus pensamentos sobre o amor utópico e os relacionamentos mal resolvidos, acho que isso vai de cada um, das dores, alegrias e experiências de vida. Afinal, uma boa depressão rende mais sabedoria do que duas horas falando sobre como vender um produto com anúncios gráficos. Por sinal, meu nome é Camila, prazer. Quinto andar, é aqui que eu desço, bom conversar contigo, e nunca esqueça que esse escudo todo de auto-suficiência não faz mal, é só não se deixar radicalizar virando um eremita sem sentimentos e sem necessidade de contato humano ok? Mal sei seu nome, mas agora realmente to atrasada, a gente se vê por aí certo? 

Nem tive tempo de responder. Meus olhos ainda estavam assustados olhando a menina se afastar. A mesma menina que assim do nada desabafara em um elevador. Yeah... Ele as vezes também sentia esse forte desejo de desabafar... mas assim com um desconhecido? As palavras dela ainda ecoam em minha mente. Sorri comigo mesmo. Ela parecia interessante. Muito mais interessante do que ela sequer imagina. E a última coisa que eu vejo são as portas do elevador se fechando enquanto Camila caminha... cheia de pensamentos interessantes.

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