Não sabia qual era o motivo da briga, desta vez - a cada novo grito, a razão da fúria parecia mudar. Traição, ciúme, briga, inveja, maldita hora que tiveram aquela criança! Naquela casa, o amor se tornava um conceito vago, quase inexistente; naquele quarto, no segundo andar, uma criança se tornava a principal vítima disso. As lágrimas se tornavam difíceis de serem controladas. Tentava não fazer barulho - sofrer em silêncio tinha se tornado não necessário, obrigatório. Não precisava dar-lhes mais motivos para discutirem. Não queria ser um transtorno ainda maior.
Desligou o celular, jogando-o na gaveta. Ignorara as últimas mensagens dos amigos, perguntando por que ele não tinha aparecido ali. Não podia lhes explicar... não podia lhes dizer quais as conseqüências de aparecer sequer perto daquela cozinha em um momento como aqueles. Não podia lhes dizer... Engoliu as pílulas, quase o vidro todo, que deixara no banheiro, sua última opção. Sentiu as luzes piscarem acima de sua cabeça, o estômago se revirar em fúria. Era melhor se deitar... precisava se deitar. Engoliu em seco, deitando a cabeça no travesseiro. O teto parecia tão próximo... e tudo parecia tão escuro. Tão escuro.
Seus pais o encontraram na manhã seguinte. A mãe não podia acreditar; os joelhos do pai mal conseguiam lhe deixar em pé. Eles choraram, juntos, diante do corpo da criança. A mão dela se enroscou a dele e sua cabeça encostou-se no peito dele, como não faziam há muito tempo. Unidos na dor, em silêncio, eles choraram.
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