domingo, novembro 21, 2010

Formatura

Ela nunca foi a mais bonita da turma ou a mais inteligente. Nunca quis ser. Sempre foi considerada normal, tanto por si mesma e quanto pelos outros, mas como a menina mais popular da escola ou a menina com as melhores notas, ela divida o mesmo sonho: a formatura. Imaginava aquelas cosias de contos de fadas, onde se acha o vestido perfeito, o namorado perfeito e uma dança lenta perfeita onde tudo desaparece e você vive seu dia de Cinderella. 

Meio de novembro e todo mundo estava ansioso para a formatura. As becas já tinham sido compradas, as fotos do anuários tiradas e o salão quase todo decorado. A seleção de músicas era o que os jovens costumavam ouvir e mesclavam com alguns hits dos anos 80/90, escolha dos professores. A cor do vestido das meninas seria verde-limão. Ela torceu o nariz no início, achava que verde-limão deixava todo mundo parecendo um bando de picles luminosos ambulantes e para ser sincera, ela sabia que seu corpo não era modelo de manequim como o corpo da maioria das meninas de sua escola. Só que ela não ligava. A formatura a deixaria linda. E ela tinha alguém para agradar. Sempre fora apaixonada pelo seu namorado, só que o problema é que demorou três anos para conseguir dizer ‘oi’ para ele sem gaguejar ou tropeçar e cair com as pernas para o alto. Ela bem sabe o quanto sofreu para tentar se aproximar dele. Foi mais difícil a parte do dizer ‘oi’ do que conquistá-lo. Ela tinha a plena certeza de que ficariam juntos para sempre. Porquê acreditava que a formatura era uma espécie de benção: fazia os relacionamentos durarem. Será? 

O problema inicial foi o vestido. Até achou alguns que ficavam bonitos com suas curvas arredondadas, só que nenhum a agradava. Era verde demais, era tomara-que-caia, tinha muito babado, não tinha babado nenhum, parecia um bujão de gás com roupa de natal ou um elefantinho colorido, ficava sem graça, não combinava com o sapato, a deixava parecendo uma vadia, a deixava parecendo uma freira… Em todos achava um defeito. Por que é tão difícil ser mulher? Para os homens era tão mais fácil, visto que Danilo já tinha arranjado seu terno logo na primeira semana depois da divulgação que a cor da gravata deveria ser a mesma cor do vestido.

O segundo problema foi o cabelo. Alisava ou enrolava mais? Cortava franja ou chanel? Pintava ou fazia luzes? Prendia ou deixava solto? Nada estava bom, nada parecia o penteado perfeito. Eis a solução: corta joãozinho, bem curtinho, assim não precisaria fazer nada. Quem sugeriu foi a tia toda trabalhada em sue vestido azul-celeste com um colar feito de sementes. A tia extravagante que sugeriu. Então não devia cortar. Se a tia frufruzinha diz para fazer alguma coisa porque fica bonito… Bem, não faça. Fim. 

O terceiro problema era o sapato. Não combinava com o vestido, era alto demais, era baixo demais, ficava feio em seu pé super fino, já tinham comprado um daqueles, apertava demais, apertava de menos… A solução seria ir com a sandália de mamãe, usada na formatura dela. Seria uma boa ideia se não fosse cafona, em sua opinião. Ela se recusava a usar qualquer coisa de antes de 2001. Frescura? Com certeza. 

A solução foi mandar a avó fazer o vestido. Ela então desenhou como o imaginava, o vestido perfeito em seu mundo onde os contos de fadas aconteciam. A solução para o cabelo foi alisar e deixar solto, pronto, linda, como Aurora. A solução para o sapato foi ir com a sandália de mamãe mesmo, nunca acharia uma melhor há tempo. 

Então chegou o tão esperado dia. Só que ela se esqueceu de experimentar o vestido antes de se aprontar para a formatura. Danilo já estava lá embaixo, todo elegante com seu terno chique de doer e a gravata verde-limão que não diminui o brilho de seus dentes recém-clareados. Muito pelo contrário. O sorriso dele estava de cegar qualquer um, literalmente. E Danilo estava se achando lindo. Mas quem liga? 

Então, o vestido não entrava. E o decote não tinha ficado do jeito que ela esperava, e a cor do tecido era meio morta, sem brilho. Devia ter pego a gravata de Danilo, já que esta brilhava. O salto da sandália de mamãe se partiu ao meio, uma vez que era tão velho e frágil. Nunca use um sapato de salto que só viu a luz do sol uma vez na vida. E o cabelo? Estava chovendo muito lá fora, de modo que acabou a luz. E agora para passar a chapinha? Ela chorava, estava muito decepcionada com tudo aquilo. Decidiu que não iria mais. 

Danilo ficou puto da vida, afinal, ele tinha gasto sua mesada com a limousine pra quê? E com o terno idiota?! Ele tinha até tomado banho pra agradá-la! Danilo odiava esse tipo de coisa, mas aceitou só porque a menina que ele gostava queria um pouco de romantismo e da magia da formatura maravilhosa. Só que na vida real não acontecem contos de fadas, e finais felizes somente para quem é muito sortudo. Danilo decidiu – após gritar com ela – ir embora. Iria jogar seu PS2, muito mais produtivo. Reclamou que o terno pinicava. 

Ela se sentiu ofendida e acusou-o de não ligar para os seus sentimentos. Disse que aquele era seu sonho e estava tudo arruinado. E jogou a culpa no namorado. Danilou mandou ela pastar e foi assim o final do namoro que parecia perfeito. Há tempos ele queria dar uma bota nela, que ainda achava que era uma princesa. Danilo era bem mais real que isso. Ele sempre fazia tudo por essa garota e em troca recebia um ‘onde está seu cavalo, príncipe?’. 

Chorando no quarto, toda concentrada em seu drama e berrando coisas como ‘eu sonho com isso desde que me entendo por gente, seu desgraçado insensível!’, não notou quando seu irmão mais velho sentou-se de seu lado. Felipe era um idiota, nunca ligava pra nada, fazia o que queria, quando e como queria. Ele era o bobo da corte rebelde em seu mundo de fantasia. Felipe tinha ingressos na mão e estendeu um para ela. Ingressos para o show do Skank, sério? Com certeza a cara que ela fez não foi muito boa. Só que Felipe a convenceu com um discurso que achou épico. Talvez ele pudesse ser seu cavalheiro e cavaleiro numa noite só. Certo que ela nunca gostou de rock, mas realmente seu irmão estava certo, ficar chorando trancada em casa não resolve nada. Então ela foi.

E ela se divertiu. Conheceu os amigos de Felipe, todos na faculdade com ele, mal sabendo que estes seriam também seus amigos quando ingressasse na mesma faculdade que o irmão no ano seguinte. Conheceu um rapaz que ela mal sabia que seria seu marido dali há alguns anos, e ele não tinha nada haver com a história nem da faculdade, nem da formatura. Ele era totalmente anti-herói. Só que ela achou o tal do Roberto tão diferente que quis conhecê-lo e sair com ele nos outros dias mesmo assim. E ela descobriu que adorava rock nacional. Descobriu também que Felipe não era um rebelde sem causa, era totalmente o contrário disso.

Seu grande achado foi que ela percebeu que não queria um conto de fadas. Ela queria sua liberdade. 

Texto Oritinal:AQUI

Um comentário:

  1. Amei o final!Liberdade é legal,mas todo mundo precisa de um pouco de conto de fadas senão a vida fica muito sem graça.A minha felicidade é que vivo na minha realidade,no mundo real,um verdadeiro conto de fadas ao seu lado.Um conto de fadas melhor do que aqueles com final feliz,porque o nosso final nunca existirá!Parabéns meu poeta!

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