sexta-feira, fevereiro 18, 2011

A atitude

Era uma manhã de muito calor. Algo em torno de 35 graus. Isso às seis da manhã. O trânsito daquela metrópole, como sempre, um caos. Ônibus lotados. Todos apressados. A correria não permitia nada além de breves olhares. Pedro não queria assunto. Olhava para todos com cara de "poucos amigos". Sentia o suor molhar suas roupas. Conseguiu entrar no segundo ônibus e sentar-se em uma das poltronas. Em pensamentos, praguejava o chefe, a mulher e aquele motorista. Sentia a força do seu ódio e só esperava a chance de exteriorizar sua fúria. Num determinado ponto, entrou um rapaz, que assim como Pedro e os outros estava apressado, com calor e aparentemente cansado. A única vaga para sentar era ao lado de Pedro, que fez questão de se espalhar.

O jovem pagou a passagem e se dirigiu até a vaga na poltrona. Ao sentar tocou levemente na perna de Pedro que prontamente reagiu: - Vai sentar no meu colo? - O jovem olhou surpreso. Todos olharam para a direção dos dois homens. Pedro esperou a resposta, já com a próxima atitude pensada. Passaram-se vários segundos. O jovem suspirou profundamente e por fim devolveu - Por favor, senhor, me desculpe. - A resposta causou surpresa em todos, especialmente em Pedro que ficou sem fala. Aquele ônibus seguiu seu rumo em um silêncio desafiador. Pedro viveu naquela manhã uma linda lição de que "a paz é possível". A decisão é nossa

quinta-feira, fevereiro 17, 2011

Aprendendo a reconhecer

Olhei ao mesmo tempo assustado e preocupado para o relógio em meu pulso. Os ponteiros mostravam que faltavam poucos minutos para as sete horas da noite. Com certeza, chegaria atrasado para aquela reunião com o Doutor Leonardo, phd em Letras. Formou-se através de umas das melhores universidades do país. Estaria hoje às sete da noite no palco da universidade para uma palestra emocionante. Era a minha oportunidade para aprender mais. Não podia perder, simplesmente não podia. Olhei novamente para o relógio, que agora marcavam cinco para as sete e para piorar, o ônibus que não vinha. Caminhava de um lado para o outro, como se dessa forma, fosse capaz de retardar a passagem do tempo.

Do lado oposto da calçada, dois velinhos caminhavam lentamente, e a minha pressa perdeu ali todo o sentido. Um casal de namorado, logo atrás, cortou caminho pela rua, visivelmente contrariados com aqueles dois "obstáculos" no caminho. Como eles, eu também tinha muita pressa, mas parei para pensar: "Quem se importa com dois velhinhos que caminham na calçada? Quem está interessado ou tem tempo para ouvir as suas histórias? Quem sequer os nota?"

Entre o casal de velhos e os jovens, a diferença imediata me pareceu ser que os primeiros sabiam que já foram e o casal de namorados acreditava que nunca iriam ser. Lentamente caminhavam com grande dificuldade e eu não saberia dizer se era a senhora que amparava o velho senhor, ou se era o senhor que amparava a velha senhora. Na verdade, me pareceu as duas coisas, como se um fosse o pilar do outro. E não era simplesmente um amparo de equilíbrio. Havia muito carinho em cada gesto. O braço segurando o outro, o olhar atento a cada movimento incerto; o cuidado meticuloso de quem tem nas mãos a sua maior preciosidade.

Nem a minha pressa me fez pegar aquele ônibus que finalmente apontou. Senti vontade de atravessar a rua e cumprimentá-los pelo exemplo. De ouvir as suas histórias, de saber dos sonhos que tiveram e os que ainda tinham esperança de ter. Senti vontade de perguntar como era possível tanto carinho, depois de tanto tempo juntos. Senti vontade de poder um dia ser como eles. E pensei que talvez, só talvez, existam coisas mais importantes. Naquele dia, eu havia perdido alguns minutos de conversa com o “Mestre das Letras”, mas ganhei um Livro inteiro de experiência, observando aqueles dois velhinhos...

Há beleza em toda parte em que olhamos, apenas devemos aprender a reconhecê-la. 

terça-feira, fevereiro 15, 2011

A tela fria

Cristina e Rebeca tinham se conhecido numa estação de águas, em Minas, por ocasião de um fim de semana prolongado. Logo houve entre as duas uma forte empatia e, quando os feriados acabaram, trocaram telefones e endereços eletrônicos. Embora os contatos, virtuais por causa da distância, não fossem extremamente freqüentes, a amizade perdurava já por alguns anos. Sempre havia uma troca gentil de cumprimentos e conversas pelo MSN; os anexos mais belos, principalmente sobre Van Gogh, Beethoven e Chopin, jamais deixaram de ser repassados. Cada uma sabia do que a outra gostava. 

Cristina tinha alguns amigos virtuais. Entre eles, podemos destacar o Júlio, alguém que lhe inspirava afeto, com quem tinha forte afinidade. Ela procurava conhecer esses amigos sempre que possível, mas com Júlio isso ainda não havia ocorrido e não o conhecia pessoalmente. Fazia algum tempo que Cris e Rê não conversavam. Naquele dia, Cristina estava on-line conversando com o amigo, quando Rebeca chamou:

- Boa noite, Cris. Estou passando para lhe dizer um oi, mas não quero incomodá-la. Só quero dizer que o que você escreveu aí é lindíssimo. De quem?
- Estou conversando com um amigo, mas me dê um minuto e poderemos conversar.
- Ok.

Elas sabiam que a conversa pelo MSN é mais lenta quando não se abrevia. Contudo, as duas evitavam usar abreviações. Evidentemente, foi bem mais de um minuto, que só vale enquanto simbólico.

- Oi, Rê, ainda está aí?
- Oi, estou. Tentando colocar umas tarefas em dia. E você como está?
- Bem! Eu também estava aqui, fazendo uma pesquisa.
- Observou o que escrevi sobre seu verso? É seu?
- Vi sim, obrigada! É meu.
- Achei lindíssimo. Tão Manuel Bandeira!
- Estava no meio de um assunto complicado e interessante, estudando um texto, mas não é sobre isso que quero conversar.
- Sim!! Sim!!!
- É sobre o meu amigo. O Júlio.
- O que tem ele?
- Bem, ele é um amigo virtual. Não consigo embora me esforce, acreditar em tudo que ele me diz. As histórias que ele conta...
- Sim?
- Ele é mineiro, mas mora no Paraná. Costuma me paparicar, me põe lá encima, compra as minhas brigas no site, me botou um apelido carinhoso. Ainda é jovem, mas nossas trocas são muito boas pela maturidade e amplitude do conhecimento dele.
- Ótimo!!! Não é todo mundo que tem essa sorte de encontrar alguém assim.
- E estava me contando uma história sobre a amiga dele chamada Márcia, uma grande amiga.
- Virtual?
- Não! Essa é real. Ele diz que é real: amiga de verdade! Amizades virtuais e amizades reais são diferentes; eles são muito amigos! Creio que ele é muito só. Ficou viúvo há dois anos, mas tinha uma relação muito intensa com a esposa e está demorando a recuperar-se. Ainda é muito grande a falta que sente dela. Não consegue esquecê-la, nem interessar-se por outra pessoa. Ele é muito inibido e tímido.
- Hum...
- É uma pessoa muito sensível, um poeta, porém tem dificuldades para expressar-se em prosa, escritos em tautogramas, aliterações... Você sabe o que são... Não é? No entanto, quando nos falamos ao telefone, ou pelo MSN a conversa é bem natural e damos boas risadas... Mas, não acredito em tudo que ele diz embora, às vezes, me sinta culpada. Bom, não é para menos, as estórias dele são trágicas, demais!
- Como assim?
- Hoje ele me falou que a amiga está doente e entra e sai do estado de coma... Os dois tinham alguns projetos em que iam trabalhar juntos, mas não sei em quê. Sabe, não gosto de invadir, não fico fazendo perguntas. Só sei o que ele me conta, ou porque quer, ou porque precisa desabafar. Ele diz que confia em mim.
- Nossa... Coitada da amiga dele... É, entendo esse lance de não invadir... Continua...
- A Márcia teve câncer, não sei de que tipo, mas sei que houve metástase; havia tumores no cérebro. Eu não entendo bem, mas sei que ela foi se tratar em Cuba e voltou boa: os tumores desapareceram. Diz que ela voltou muito fraca, mas estava bem, retomando as atividades aos poucos. Ela tem uma filha adolescente e um filho pequeno.
- Você sabe muita coisa, é quase uma confidente.
- Sim. É isso que sou! Então, na semana passada, ele me contou que estava muito triste, porque Márcia teve uma paralisia renal. Acharam que ela iria morrer, sabendo que a paralisação dos rins, em geral, é o começo do fim. Foi internada às pressas, uma situação complicada, porque foi transferida para São Paulo e ficou sem noticias.
- Pra onde?
- Pro Sírio Libanês.
- Ah... Muito bom!
- Sim. O quadro dela ficou instável: ela melhorava e piorava e, de repente, começou a ter dores de cabeça fortíssimas. Então os médicos a colocaram em coma induzido. Os amigos oravam para que ela melhorasse. Por ser uma pessoa muito boa e querida, várias pessoas oravam por ela.
- ???
- Logo depois, ela ficou muito mal e disseram que ela tinha tido morte cerebral.
- Que horror!
- Mas, enquanto a família era chamada para que os aparelhos fossem desligados ela voltou.
- Ninguém volta de morte cerebral!
- Eu sei! Mas a Márcia voltou! Segundo o meu amigo, completamente sem memória, um zumbi! Mas viva! Apenas a filha continuou a passar noticias. Ele diz que ela perdeu a memória, mas lembra dele, da sua voz. Depois de alguns dias, ele disse que ela quis telefonar para as pessoas conhecidas. A filha ligou para ele e os dois conversaram; ele começou a contar para ela coisas que haviam feito em comum, numa tentativa de ativar a memória.
- É???
- Ele diz que ela se lembra de algumas coisas, mas que isso só acontece com ele e com ninguém mais...
- E a família?
- Ele diz que não.
- Eu perguntei sobre o filhinho, porque o sentimento materno é muito forte.
- Sim. Ele disse que o filho é um grande refrigério para ela, uma grande alegria, mas não entendi se é por lembrar-se dele. 
- Ah sim!
- Hoje, a filha dela, o único contato, foi atropelada. Teve ferimentos graves; fraturou o fêmur. Teve fraturas seríssimas! Pode?
- Nossa!
- Precisou de cirurgia para colocar pino e tudo mais. Agora, ela está bem, vai ficar boa.
- Você já tentou confirmar isso tudo? Por que... Quando a coisa é verdadeira... Pessoas existem mesmo... Endereços existem... Telefones existem... Médicos existem...
- Bem, ele é meu amigo de net, não tenho outra referência a não ser o que ele diz. Tenho a impressão de que ele fala de fatos reais, mas faz uma fabulação ao redor deles. Isso é comum na net? Nesse grau de exagero?
- É um terreno bem fértil, mas nunca topei com algo assim. É bem intrigante essa história.
- É. Não deixa de ser. Meu monitor está ruim. Se ele apagar, considere que me despedi. Amanhã meu PC vai passar o dia no técnico.
- Fazendo lipo...

Assim que as duas se despediram, Cristina foi procurar saber sobre morte cerebral. A conversa com a amiga deixara dúvidas que, embora vagas, a incomodavam. Telefonou para um primo que ela sabia estar estudando neuroanatomia cerebral. Ninguém voltaria, mesmo. Era fato sem registro nos anais médicos. A explicação para o fato poderia ser um mal entendido. Uma má interpretação dos comentários dos profissionais, em função do envolvimento emocional. Isso costuma ocorrer. Poderia também ser o caso de a jovem estar num coma parcialmente induzido, no máximo grau três e, quando ele foi suavizado, ela retornou, porém sem memória. Entre o que ocorreu, a forma como a história lhe fora contada, e os fatos reais parecia haver um deslocamento. Cristina sentia-se tentada a acreditar no amigo, mas no íntimo se reprovava por sua credulidade. Sem meios para avaliar a situação, chegou a supor que, talvez, ele fantasiasse a realidade. Se fosse esse o caso, ela imaginava saber o porquê, mas isso não interessava a mais ninguém. Contudo, ela pensava, pensava, e não chegava a nenhuma conclusão. Existe um mundo, onde de um lado alguém pode fazer de conta que é verdade e do outro, alguém pode acreditar, ou fazer de conta que acredita. Como Júlio dissera uma vez, "a tela fria será sempre a tela fria".

sábado, fevereiro 05, 2011

Gotas de Oceano

Para ser ouvido fale,
Para ser compreendido,
exponha claramente as suas ideias sem jamais
abrir mão daquelas que julga fundamentais
apenas para que os outros o aceitem.

Acima de tudo,
busque o prazer antes do sucesso,
a auto-realização antes do dinheiro,
fazer bem feito antes de pensar em obter
qualquer recompensa.

Nenhum reconhecimento externo vai substituir
a alegria de poder ser você mesmo:
"status" é comprar coisas que você não quer
com o dinheiro que você não tem a fim de
mostrar para as outras pessoas que você
não gosta da pessoa que você não é.
Nada tem graça se não for bom para o seu corpo,
leve para o seu espírito e
agradável para o seu coração.

Para conseguir,
tente sem pensar que o êxito virá logo
da primeira vez.

Cuide de ter saúde, energia,
paciência e determinação para continuar
tentando quantas vezes forem necessárias.

Mas ao perceber que já fez tudo o
que pôde ou até mesmo um pouco além,
mude de alvo para não se tornar
em vez de um vitorioso,
apenas mais um teimoso.

Para poder recomeçar sempre,
perdoe-se pelos fracassos e erros que cometer,
aprenda com eles e,
a partir deles,
programe suas próximas ações.

Nunca se deixe iludir que será possível
fazer tudo num dia só ou quando
tiver todos os recursos:
tal dia nunca virá.

Para manter-se motivado, sonhe.

Para realizar, planeje,
pensando grande e fazendo pequeno,
um pouco a cada dia e todos os dias um pouco,
porque são pequenas gotas d'água que fazem
todo grande oceano.

sexta-feira, fevereiro 04, 2011

Caminho

Ele fechou a porta com delicadeza, quase que automaticamente, e colocou as chaves de casa no bolso; escutou o barulho sólido das partes de metal. Naqueles dias, naqueles exatos tipos de momento, prestava atenção a esses detalhes; aos barulhos, às texturas das coisas e dos sons, ao mundo. Era melhor olhar para fora do que para dentro de si, embora a vontade de fazê-lo fosse pouca. E assim se distraía.

Limpou com a mão direita as gotas de água que escapavam tímidas pelas extremidades de seus olhos; respirou fundo. As ruas estavam frias, como ele gostava, e vazias, como convinha ao momento. A noite, porém, era seca, atacava-lhe a garganta; era de uma acidez terrível, um incômodo que se espalhava pelas vielas e por todo seu corpo, por mais que tentasse se desvencilhar do sentimento.

Ele andava, seguia em silêncio, atento apenas aos barulhos de seus próprios passos. Tinha comprado um tênis novo, daqueles que fazem os sons mais estranhos enquanto não ficam velhos e desgastados; diria até que gostava mais das coisas velhas, elas são confortáveis. Mas o barulho agora o entretinha, tirava-o um pouco de dentro de sua própria cabeça; era disso que precisava.

Virou a primeira esquina; respirou fundo, o ar continuava ácido: como era doloroso caminhar sozinho. Não tinha quem o acompanhasse, alguém para segurar a sua mão e dizer que tudo ficaria bem. E como poderia ter? A vida lhe tinha sido tão ingrata. Como poderia voltar a sorrir, a conversar; por que se deixar envolver por outra pessoa? Era desperdício, um erro de fato; era apostar no imprevisível, naquilo que não se pode controlar, nem confiar. Entregar-se ao mundo era mais confortável do que se entregar a outra. O mundo ele sabia que estaria sempre lá.

Fechou o zíper do casaco, o frio aumentara; ou talvez fosse por causa do ambiente. Passou pelo velho portão de ferro e se sentou no mesmo pedaço de mármore de todas as noites. Levou os dedos ao seu pingente. Por que ela não estava com ele? Por que tivera de partir tão cedo? Eles ainda eram tão jovens; recém-casados, apaixonados. Talvez a felicidade fosse coisa proibida. Ele sabia que seus pais não eram felizes; mas eles continuavam juntos, por anos, e nada ameaçava separá-los. E assim era também com os amigos de seus pais... e com seus amigos... e com os amigos dela. Todos viviam tristes, mas estavam juntos, embora para eles isso de fato não importasse.

Levantou-se. Deslizou timidamente a mão pela pedra fria da lápide. Por um momento, esperou sentir de novo o calor do corpo dela, o cheiro, o tato. Ainda podia se lembrar da pele macia, do abraço, do carinho de cada gesto... e do amor. Ah, o amor... como duvidara de Shakespeare, como zombara dele enquanto estivera com ela. Agora, arrependia-se... o velho poeta estava certo. O amor é grandioso. E trágico. Talvez também fosse proibido.

Afastou-se um pouco, puxou o braço para trás em um ato reflexo, como se tivesse medo de se machucar. Voltou de novo os olhos para o mundo, para o mato que crescia ao redor, para a vida. Era tão difícil se manter atento a ela. Afinal, de que serviam todas as coisas? De que servia o mundo senão para dar sustento às pessoas? Sem elas, ele não faria sentido. Ou talvez fizesse, e ele não passasse de um bobo. O mundo estaria sempre lá, ele repetia... o mundo estaria sempre lá.

Enquanto isso, deixava o corpo cair ao lado da lápide e se entregava ao reino dos sonhos. Só precisaria encarar a vida quando nascesse o dia seguinte.