quarta-feira, janeiro 14, 2015

A criação...

- ... e foi até aí o que pensei.
- A ideia é boa.
- Você faria isso?
- Faz sentido, dentro do contexto. Era esse o rumo que você queria, não era?
- Não foi isso o que eu perguntei.
- Como assim?
- Quero saber se você faria isso. Aqui, agora. Em carne e osso.
- Sofrer assim? Provavelmente. Quer dizer, considerando a relação. Transformar o ódio em outra coisa depois que o outro morre. Faz sentido, na história. Então a resposta seria sim.


- Sinto muito.
- Pelo que?
- Por David.
- Por que?
- Eu não sabia que ele iria concordar em morrer. Era pra ser só na história. Não aqui.
- David era dramático e intenso. Não tinha como ter outro fim. Não fiquei surpresa com ele ter concordado em morrer.
- Mas eu não me senti bem escrevendo.
- Foi pelo bem do livro.
- Como você está reagindo à morte dele?
- Mal.
- Parece tão calma.
- Você me escreveu assim.
- Não tão assim. Você saiu diferente da história.
- Sempre saímos. Os criadores sempre acabam ficando decepcionados com as criaturas.
- Acho que nunca vou me acostumar com isso.
- Eu decepciono você?
- Nunca. Acho que você é uma das melhores coisas na minha vida, agora.
- Mas te deixo angustiado.
- Deixa. Não quero escrever pra te ver sofrer aqui. Mas minha mão formiga e queima se eu não escrever.
- Se te faz sentir melhor, não sou como David. Minha integridade física está garantida.
- Mas seu emocional é tão fodido quanto na história. E a culpa é minha. Odeio fazer isso com uma pessoa.
- Você se esqueceu de um detalhe.
- Qual?
- Não sou uma pessoa. Sou um Personagem. Agora escreva. Quero ver como vai sair a cena do hospital.


NOTA: É realmente assim que as coisas são. Ao se criar um conto, crônico, livro... Nossos personagens como se criassem vida. É algo mágico, simplesmente mágico. Eles passam a existir e coexistir conosco, o tempo todo.