segunda-feira, março 28, 2011

Carpe Diem

Todos os dias, religiosamente, Diana estava no ponto de ônibus perto de sua casa. No total, dava uns quinze minutos andando da saída do cortiço onde morava até o local, mais ou menos seis músicas na sua conta. Dois pequenos pontos, inseparáveis, sempre estavam conectados em suas orelhas. Seus fones de ouvido ligavam ao celular, que exaustivamente reproduziam músicas diversas. Ela optava pela música internacional, afinal estava sempre antenada no mundo. Internet, redes sociais, MSN, Orkut, tudo isto é a vida de Dih, como a própria prefere ser chamada em seu ‘universo virtual particular’. Seguia para a escola com os fones no ouvido. Não escutava as buzinas dos carros, o ronco das motocicletas, muito menos os latidos dos cachorros, o miado dos gatos, o som do vento farfalhando as folhas da árvore, nada. Preferia ditar sua própria trilha sonora, amparada pela tecnologia. Achava que, com aquele aparelhinho minúsculo, sua vida poderia ser como nos filmes – com música própria para cada momento.

Diariamente, sem pestanejar, estava Diana no local. Não olhava para os lados, não ouvia ou via a conversa dos outros. Fechava-se dentro de seu próprio universo moldado pela sua música e pelos seus fones. Tecnologia, ó doce tecnologia. Certo dia, entretanto, suas baterias lhe traíram e o celular apagou assim que chegou ao ponto. Não dava tempo para voltar até sua casa, muito menos tinha uma reserva. Sem bateria, lhe restou, a contragosto, se ‘desplugar’ de seu mundinho e escutar as buzinas dos carros, o ronco das motocicletas, os latidos dos cachorros, o miado dos gatos, o som do vento farfalhando as folhas da árvore. Agora tudo estava ali, como uma inundação de novos sons. Como um novo mundo. Acabara ela de pisar em um outro planeta?

O ônibus já parava no ponto e ela quase tomou um susto com o som do freio que não funcionava direito e com o ressoar da fumaça escapando pela descarga. Surpresa, Diana era devorada por uma realidade da qual esteve alheia a muito tempo. Viu a conversa das pessoas, seus sorrisos e suas preocupações. Sentou-se no último banco, num único lugar vago. Ao seu lado, um rapaz de olhos negros como a noite e de farto sorriso resolveu falar:

- Olá, eu me chamo Ezequiel.

- Dih... – travou, num instante, ao pensar que ele poderia rir de seu apelido virtual. - ... sou a Diana.

- Poxa, muito prazer... - Respondeu o rapaz. - ... Diana. Sabe, todos os dias eu te vejo pegando este ônibus, mas você sempre está com uns fones no ouvido e parece sempre no mundo da lua. Há tempos queria te conhecer, felizmente hoje você está sem eles!

Pela primeira vez, Dih abriu espaço para a Diana. E sem os fones e sendo ela mesma, teve o prazer de conhecer alguém no mundo real. Ezequiel foi apenas o seu primeiro amigo, depois dele vieram outros. Aliás, Ezequiel não só foi seu amigo, mas também se tornou seu namorado algum tempo mais tarde. Depois de um dia ‘fora do ar’ e longe dos seus fones, Diana realmente soube o que é... estar viva.

Acesse o seu mundo. Esteja conectado a vida. 

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sexta-feira, março 11, 2011

Há algo na chuva


Eu não sei, parece que em alguns filmes, a cena perfeita do beijo perfeito tem de acontecer na chuva! Ou, mesmo, só a cena perfeita. Precisa ter beijo não. Um dia desses, eu vi Diário de uma Paixão, ou parte do filme, e o beijo que premiou os atores do filme como o melhor beijo do ano – segundo minha neta mais velha – , foi na chuva. Sei lá. E, outra coisa: enterros! Enterros sempre acontecem em um dia chuvoso, feio. Quer dizer, a pessoa morreu e o dia, sentindo a perda, ficou mais triste. Já parou para pensar que, se isso fosse para valer, não ia existir dias ensolarados de verão. Ou inverno, muito menos neve, porque eu acho que nevar e chover ao mesmo tempo é muito estranho.

Não, não, isso não é uma reclamação, querido. Mas, eu nos meus tempos áureos, não beijei meu velho na chuva. Não foi o primeiro beijo, e ele, nem o primeiro namoradinho, mas foi com ele que tive o primeiro beijo perfeito. Aquele que te faz flutuar sem sair do chão, sabe? E, com ele, que eu construí uma família. Então, ontem minha netinha viu Encantada. Tinha uma cena em que o casal se beijava na chuva. Eu não entendo a importância que a chuva tem nessas cenas. É para deixar mais romântica? Mais dramática? Mais tensa? Se for de noite, a cena, eu mal enxergo!

Meu velho não entende. Disse “deixe de paranóia, velha, é só um filme”. Um filme não! E eu não sou paranóica. Meu marido não entende. Como podem passar filmes assim aqui? Nem mesmo quando São Paulo era a terra da garoa, essas coisas aconteciam. Meu primeiro beijo, o que não foi com o meu velho, aconteceu em um dia quente de verão. O primeiro beijo meu e de João, meu marido, foi no inverno. Não chovia. Continuei esse debate com ele. E então, ele me respondeu, certo de que me pegaria: “nossos filhos nasceram em dias chuvosos. E nossos netos também.” Todos eles, sim. Três filhos, oito netos, onze criaturas que mudaram nossas vidas. Todos nasceram em dias chuvosos e até lembro que Mariana, esposa do meu caçula, chegou encharcada no hospital...

Todos os onze iluminaram minha vida, trazendo sentido à ela e uma significado novo à minha jornada aqui. Sim, eles iluminaram minha vida nos dias de chuva... É, talvez haja algo na chuva, mesmo.

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segunda-feira, março 07, 2011

O Porquê das Coisas: Amor

Sexta-feira à tarde, depois do lanche...

- Pai?
- Sim?
- O que é amor?
- Quê?
- É, o que é amor?
- Ah, filha, amor é quando você gosta muito de alguém.
- Mas, aí não seria a mesma coisa que gostar? Qual é a diferença?
- A diferença está no modo e na intensidade.
- Ah... tá... E paixão? Aonde entra?
- Paixão é quando você gosta um pouquinho de alguém.
- Se tudo é gostar, por que tem nome diferente? Não é mais fácil deixar só gostar e aí dizer o quanto?
- Sim, é, querida.
- ...
- ... ?
- Ô, pai?
- Fala, filha...
- O que você sente pela mamãe? Amor, gosta dela ou paixão?
- Amor.
- E por mim?
- Amor também.
- Mas, é o mesmo tipo de amor?
- Não.
- Por quê?
- Por que o quê?
- Por que você ama a gente diferente?
- Ahhh, bom... Porque... Bom, porque o amor que eu sinto por ela pode não durar e, o que eu sinto por você é pra sempre.
- Como assim?
- Como assim o quê?
- Como assim sendo?! Você não ama a mamãe de verdade?
- Amo!, mas...
- Então se é de verdade, é pra sempre, né?
- Nem sempre.
- Por quê?
- Ah, porque... Porque às vezes o amor acaba, ué!
- Então... você pode não me amar mais?
- Isso nunca!
- Mas, e a mamãe? Por que com ela é diferente?

- Porque é... Assim, filha, ó: o amor que eu sinto pela sua mamãe é como a chama de uma vela acesa. Ela pode durar até a vela ficar pequeninha, pequeninha, ou pode vir o vento e apagá-la, sabe? Ou alguém pode apagá-la. Agora, meu amor por você é como o universo: infinito.

- E por que alguém apagaria essa chama?
- Eu não sei.
- Acho que não entendi, pai. Amar parece difícil...
- E é, pequena, e é...

Texto Original: AQUI