- Sabe, às vezes acordo e sinto que todos os fios da minha vida estão embolados.
- Hum... Acho que sei, é como se tivesse dado um nó invisível em tudo que é canto, né?
- Exato. E o pior é que você sente o peso desse nó, mas não enxerga a ponta pra puxar. Cada vez que tenta, parece que puxa um fio errado, que aperta mais.
- Já passei por isso. Você tenta organizar as prioridades, colocar os sentimentos num lugar, mas parece que os fios se misturam de novo.
- Eu queria encontrar paz… um começo novo. Mas quando olho pra trás, vejo que deixei muita coisa sem ar, sufocada.
- Eu entendo. A gente vai colocando urgência no que dói mais, no que chega primeiro, mas isso nem sempre resolve. Às vezes desvia, deixa pra depois, mas o que está pendente vai acumulando.
- E você sabe o que me assusta? Que esse emaranhado parece viver de um cinismo sutil: “Não mexe muito ou vai desmanchar tudo”.
- Sei. E aí a gente procrastina. A gente espera ter forças perfeitas, tempo ideal, motivação certeira, que quase nunca aparecem todos juntos.
- Talvez o segredo seja só começar por um fio, qualquer fio , sabe, e ir seguindo. Nem importa se puxa devagar, se dói um pouco, se desfia.
- Sim. Um fio de cada vez. E aceitar que vai emaranhar de novo às vezes, porque a vida é fios que cruzam, nó que reaparece.
- E perdoar a si mesmo por não saber tudo, por tropeçar, por desmanchar onde achava que tinha firmeza.
- Perdoar, e continuar. Porque cada fio desenrolado é uma clareza silenciosa, uma respiração que antes estava presa.
Suspira um pouco aliviado.
- Obrigado por estar aqui pra escutar. Só esse diálogo já desatou um nó.
- Sempre que precisar. E aos poucos vamos desenrolando, nem que seja fio por fio.
Naquele instante, os dois ficaram em silêncio. O café, já quase frio sobre a mesa de madeira, parecia acompanhar a pausa. Eram apenas dois amigos, tarde da noite, dividindo confidências num apartamento pequeno, onde a bagunça dos livros e das xícaras espalhadas era testemunha de que a vida, assim como aqueles fios, nunca se mantém em perfeita ordem.