quinta-feira, setembro 11, 2025

Um fio de cada vez

- Sabe, às vezes acordo e sinto que todos os fios da minha vida estão embolados.

- Hum... Acho que sei, é como se tivesse dado um nó invisível em tudo que é canto, né?

- Exato. E o pior é que você sente o peso desse nó, mas não enxerga a ponta pra puxar. Cada vez que tenta, parece que puxa um fio errado, que aperta mais.

- Já passei por isso. Você tenta organizar as prioridades, colocar os sentimentos num lugar, mas parece que os fios se misturam de novo.

- Eu queria encontrar paz… um começo novo. Mas quando olho pra trás, vejo que deixei muita coisa sem ar, sufocada.

- Eu entendo. A gente vai colocando urgência no que dói mais, no que chega primeiro, mas isso nem sempre resolve. Às vezes desvia, deixa pra depois, mas o que está pendente vai acumulando.

- E você sabe o que me assusta? Que esse emaranhado parece viver de um cinismo sutil: “Não mexe muito ou vai desmanchar tudo”.

- Sei. E aí a gente procrastina. A gente espera ter forças perfeitas, tempo ideal, motivação certeira, que quase nunca aparecem todos juntos.

- Talvez o segredo seja só começar por um fio, qualquer fio , sabe, e ir seguindo. Nem importa se puxa devagar, se dói um pouco, se desfia.

- Sim. Um fio de cada vez. E aceitar que vai emaranhar de novo às vezes, porque a vida é fios que cruzam, nó que reaparece.

- E perdoar a si mesmo por não saber tudo, por tropeçar, por desmanchar onde achava que tinha firmeza.

- Perdoar, e continuar. Porque cada fio desenrolado é uma clareza silenciosa, uma respiração que antes estava presa.

Suspira um pouco aliviado.

- Obrigado por estar aqui pra escutar. Só esse diálogo já desatou um nó.

- Sempre que precisar. E aos poucos vamos desenrolando, nem que seja fio por fio.

Naquele instante, os dois ficaram em silêncio. O café, já quase frio sobre a mesa de madeira, parecia acompanhar a pausa. Eram apenas dois amigos, tarde da noite, dividindo confidências num apartamento pequeno, onde a bagunça dos livros e das xícaras espalhadas era testemunha de que a vida, assim como aqueles fios, nunca se mantém em perfeita ordem.

quarta-feira, agosto 27, 2025

Às vezes, a ajuda vem de onde a gente menos espera

A gente passa tanto tempo tentando ser forte… Tentando aguentar o mundo, o trabalho, os conflitos internos, a bagunça emocional, os silêncios que doem e as ausências que gritam. Tentando resolver tudo sozinho, porque é o que a vida ensinou: “não conte com ninguém, não espere demais, se vira.”

E aí, no meio de uma dessas fases em que tudo pesa mais, quando a vontade é só fechar os olhos e pedir um alívio, a vida, com sua mania de surpreender, envia socorro de onde menos imaginamos.

Às vezes não vem de quem a gente pensou que estaria ali.
Não vem da família.
Não vem do melhor amigo.
Não vem de quem a gente mais queria que viesse.

Vem de alguém que estava quieto na lateral da nossa história. Vem de alguém quase distante. 

E é nesses momentos que a gente entende que nem toda ausência é abandono… e nem toda presença precisa fazer barulho para ser cura. Que a ajuda, quando é verdadeira, não precisa vir anunciada. Ela só vem. E basta.

O mais curioso é que, depois que passa, quando a poeira baixa, a gente percebe: aquela ajuda salvou algo dentro da gente. Nem sempre resolve o problema, mas nos lembra que não estamos sós. E isso muda tudo.

A vida é surpreendente. E é justamente quando paramos de esperar, quando já desistimos de contar, que o universo dá um jeito de mostrar que não estamos sozinhos. A ajuda vem. Às vezes, silenciosa. Outras, transformadora. Mas ela vem.

Por isso, se hoje você estiver cansado, se perguntando até quando vai ter que segurar tudo, respira. Ainda há braços estendidos, mesmo que você não esteja vendo agora. E talvez, só talvez, seja justamente no inesperado que mora a resposta que você procura.

E se você estiver bem, com o coração tranquilo… olhe ao redor. Alguém pode estar precisando da ajuda que só você, com a sua história, pode oferecer.

Afinal, o mundo gira. 
E às vezes, é você que socorre. 
Outras vezes, é você que é socorrido. 
E tudo bem.

sexta-feira, setembro 11, 2020

Somewhere

- Hã!? Sobre o futuro? Olha... não sei muita sobre esse tal futuro. Eu nem sei onde vou está amanhã, que dirá há alguns anos a frente. O tempo... Ah o tempo... costuma ser implacável, sabe. Os minutos passam, viram horas, que viram dias e a gente fica tão absorto em nossas vidas, em nossos problemas, em nossas paranoias que nem percebemos que o ontem não passa de memórias distantes.

O homem de meia idade, ajeita os óculos no rosto, se levanta e caminha lentamente até a janela. As gotas de chuva na janela o acalmavam. Olha demoradamente para a rua deserta se deleitando com o som da chuva. Suspira pesadamente e volta a se sentar na poltrona.

- Eu sempre achei que a essa altura minha vida estaria... diferente. Eu achei que estaria em outro lugar, envolvido em outra situação. Como a vida muda, não é mesmo? Sabe... se o meu eu do passado visse como estou hoje, me chamaria de insano. Mas... Insano é como o meu eu de hoje se refere a ele no passado. Engraçado, ? Tudo muda! É claro há coisas boas e ruins, mas o que seria do mundo se as coisas permanecessem exatamente iguais? Haveria alguma evolução? Algum aprendizado? Acho pouco provável...

Discretas gotas de lágrimas saíam de seus olhos. Ele novamente suspirou envolvido em lembranças e continuou, após uma leve risada de canto de boca:

- ... Não não... Não ache que me arrependa. Eu não! Mudaria umas coisas aqui e ali, é claro, afinal sou ser humano como todo mundo. Mas arrependimento não. Aprendi muito com meus erros, me alegrei muito com meus acertos, fiz amigos que levo para vida toda e perdi outros que achei que sempre estariam aqui. Amei e fui amado... por cada um de vocês...

Ele novamente se levantou, olhou profundamente todos ali sentados. Alguns conversavam, outros com olhos marejados fungavam.

- Se me pudessem ouvir... Eu... Eu queria que soubessem, que ouvissem apenas "Muito obrigado!". 

Então ele virou e viu um outro homem de meia idade com os olhos vermelhos amparando e sendo amparado por um senhora. Sua mãe e o grande amor de sua vida. Um sorriso discreto apareceu no rosto dele. Caminhou até os dois que estavam sentados, abaixou-se e sorrindo disse:

- Obrigado vocês dois! Obrigado! Se cheguei até aqui foi por vocês. Obrigado mãe por ser maravilhosa, quase uma mulher maravilha! Obrigado meu amor, obrigado por nunca ter desistido, mesmo quando tudo parecia desabar. Vocês foram minha âncora quando eu queria estar a deriva.... Agora... Precisam ser fortes e me deixar navegar adiante... Meu amor... Você sempre disse que nossa vida é como um livro... Nossos capítulos se separam aqui... Escreva... escreva novos finais felizes... por mim... Eu te amo!

Deu um leve beijo na bochecha dos dois que sentiram uma leve brisa passar por ali. O homem então se levantou, olhou para outro homem vestido de branco que o aguardava, que estendeu a mão e caminharam juntos para o infinito.